02/07/2015

blackout ou a consciência de um impossível amanhã

já tive o mundo na mão. já andei por esses caminhos fora e despertei multidões para a minha passagem, para a visão de um homem, para um caminho do mesmo. e hoje, que sou eu?
a perspicácia levou-me longe, com audácia avancei ainda mais, com força movi mundos e com a vontade cheguei ao fim do meu ser. não sei porque fiz metade do que fiz na minha vida, talvez por nem me recordar, talvez por já não me interessar. a verdade é que chego ao ponto em que, ao olhar para trás, vejo que poderei ter perdido mais que o que ganhei.
no meu tempo não se queria estudar - queria-se sair da pátria, go abroad, tudo para fugir. e eu também assim era! e assim o fiz. fui o mais longe que conseguia, com os poucos estudos que tinha, com um sonho de ser algo e de fazer algo. hoje penso que não deveria ter ido... deixei a minha família e fui de encontro às adversidades além fronteiras, de pessoas que me olharam de lado, por aí fora... fui de encontro à saudade das minhas raízes, da minha família - sim, porque já tinha família mais que formada naquela altura. para quê? ao fim e ao cabo, todas as decisões são questionáveis.
voltei, é certo, mas voltei para o mesmo. o sonho que tinha já era impossível de realizar e o que queria fazer, a cada dia que passa, se torna mais complicado. mesmo assim continuava a ser acarinhado, a ser apreciado, e talvez tenha sido essa a minha ruína. foi aí que perdi a minha família; é certo que ainda os tenho mas a separação era inevitável, gostava mais de mim e do que me proporcionavam do que da minha família, isto pensando conscientemente, mal eu sabia que o inconsciente me diria uma história diferente...
passaram-se agora muitos anos. o sonho morreu e o que queria fazer já não o faço, grito para que o tentem fazer por mim... alegra-me ver os meus filhos, já crescidos, adultos, e ver que estão a traçar objectivos para as suas vidas. estão a conseguir atingir o que querem. estão a fabricar a sua vida, tal como eu a tentei fabricar. de uma coisa não me podem culpar: sempre os avisei a não fazerem o mesmo que eu ou, se o fizessem, a estarem bem estáveis. e também nunca lhes neguei nada que pudesse dispensar. tentei ser um bom pai, mesmo não tendo um - melhor, nem saber quem seria o meu - e não sei até que ponto o consegui, mas a cada dia que passa tento-me adaptar a um amanhã dos meus filhos. é esta a minha realidade agora.

já não conto os meus anos - "sessentas" parece um número muito pesado. apenas conto os anos que não passei com quem devia ter passado. agora sim, olho para trás, desdramatizo tudo e vejo que talvez seja o maior culpado do que aconteceu à minha vida. agora vejo o quão errado estava em tantas decisões da minha vida mas, especialmente, vejo que apenas um erro faz com que tudo desabe, vejo os meus amigos de longa data com alguém, highschool sweethearts ou não, têm alguém; e eu, com quem me partilho?
se algo quero que se aprenda comigo é que a vida, ao longo dos anos, pode ser ditada apenas por um erro, só nos cabe tentar pedir perdão e esperar que não tenha sido o fim da linha. há tanto a dizer que não nos podemos guiar por uma escolha de falsa longevidade. no fim, a imortalidade está no que deixamos em terra, não em nós. se me fosse possível falar no amor diria que o vou deixar em terra, mas que este nunca mais será correspondido pois, quando era, fui incapaz de pedir perdão. quanto eu me arrependo...

se houvesse um futuro para o impossível eu batalharia, com a força que me resta, para atingir essa meta. eu caminhava até ao fim e voltava ao início para não fazer o que fiz. a verdade é que já não sou o que era e esta distância foi apenas traçada pelo tempo - o mesmo que corria tão bem a meu favor...


e se eu disser que, para ter tudo de volta, apenas tinha que ter pedido perdão no momento certo?

o sentimento mais raro, o mais puro, o melhor e, por mais que custe, o mais doloroso. e eu nunca mais o verei.
novamente me despeço, sozinho. até amanhã e, às 6:30h acordo-te.



(crónicas de uma vida.)

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